sexta-feira, 14 de março de 2008

Inconstante tradução

Eu sou eu

Um, dois, dez...
Trancados dentro de mim
De portas fechadas
E mãos amarradas
Sou o poeta que não sabe amar
Canto sem saber cantar
Andarilho que não sabe caminhar
Sou o pai aflito
E o filho tranqüilo
Sou o alimento que a fome mata
Faminto
Com o instinto
À flor da pele
Sou as palavras mal faladas
E as cartas rasgadas
O mendingo a pedir amor nas calçadas
Sou a vela que brilha fosca
Na penumbra do túnel gigante
Sou o enorme elefante
Que se espanta com o míninmo ratinho
Sou mendingo de carinho
Sempre tão sozinho
Sou o pássaro solitário voando na imensidão
Sou tantos, multidão
Álcool queimando
Ferro ferindo
Bocas beijando
Sou a inconstante tradução de mim
Assim, assim
Talvez um papel branco, apenas
Ou quem sabe
Uma tela pintada de cores, obra de arte
Sou o dia ensolarado
Como, se estou sempre nublado?
Visto-me com padrões impostos
Pago impostos dos quais não gosto
E o que gosto mesmo, não faço
Minhas roupas são ganhadas
São verdades usadas
As quais não quero mais usar
Quero me libertar
Ser escravo do meu prazer
A liberdade viver
Pra felicidade acontecer.

(escrito em 05/11/2005)

quinta-feira, 13 de março de 2008

Transfiguração



É uma vontade de gritar, rasgar o céu como um raio e me libertar desse algo preso na garganta. Esse algo que me sufoca e me faz rolar na cama e me faz perder o sono. Noites em claro, na penumbra do meu gélido quarto e a frieza do meu coração infeliz. A névoa embaça a visão da rua, deserta, e se iguala ao meu coração – embaçado. Não posso gritar, todos dormem. Seria injustiça, ninguém tem culpa de nada, ninguém sabe sequer que eu existo. Passo quase que despercebido pela minha incapacidade de me fazer viver. É, nem sei se vivo. Não sei o que é a vida. Antes e depois dela, o que se tem? Não sei, não sei onde procurar essa resposta. Seria, talvez, me tirar a vida e ver? Não! E se não puder voltar atrás? Melhor não. Não saberia ficar num lugar preso, insatisfeito, sem a possibilidade de refazer o feito.


Um sussurro está entalado, faz meu pescoço engrossar num tamanho desproporcional ao da minha existência. Sinto-me como um incapaz, pobre coitado que não sabe o que fazer da sua vida. Querendo gritar e não conseguindo. Querendo se libertar e continuando preso a uma pedra negra, pesada.


Não consigo parar-me quieto. Vejo cobras, aranhas, urubus e tenho medo. Estou minúsculo diante de tantos monstros, diante da sombra deles refletidas na parede da minha alma. Não sei a quem recorrer, nem sei como fazer. Meu Deus! onde você se esconde quando mais preciso de você? Cadê a sua paternal presença? Por que fazes isso comigo, rélis mortal, vagabundo na sua falta de coragem, pequeno na sua capacidade de amar e gigante na sua fraqueza? Espectros arrastam diante de mim, esquelético. Sinto-me um deles. Por que? Quantas vezes tenho que gritar, por que? por que? por que? Não posso mais. É grande demais pra mim. É muito.


Ofegante e com o coração aos pulos, vejo um cais.... longe. Em meio ao inquietante medo sinto uma ponta de leveza. Meu suor começa a divagar e a penumbra do meu quarto parece diminuir. Minha pequenez na imensidão da cama vai se desfazendo. Já não estou mais prensado na parede. Sinto-me vagamente livre. Não sei ao certo de que, possivelmente, me libertei. Não lancei meu grito de socorro. Apenas senti, sofri. O buraco negro ainda existe, porém com menos negrume. Ao som da brisa começo a me descruzar e relaxar e esticar-me sobre minha cama. O que parecia estar se tornando meu leito de morte transformou-se em uma espreguiçadeira confortável, que me recosta e me acolhe, de uma maneira – assustadoramente – aconchegante.


A sensação é de liberdade plena. É como se eu tivesse me atirado do mais alto monte e estivesse caindo, sem pára-quedas, livre, sentindo o vento me cortando a alma. Não sei o que houve. Nem quero saber. Já não me importa mais. Prendo-me a sensação atual e não mais ao medo e a angústia de antes. Quero descobrir sem forçar, sem impugnar, descobrir por descobrir, se for me dado esse direito.

terça-feira, 11 de março de 2008

Alkahool


Fui apresentado a pouco por um amigo a essa música, de Jorge Ben. Ouví-la na voz de Gal, em vinil, numa dessas noites em que o que mais a gente precisa é desinfetar. O nome deste blog não é por acaso. Alkahool, só para desinfetar...


[...Cada palavra caçada é o compasso de um passado

Que foi enterrado

A caça ao fantasma continua porque

O fogo é mais antigo que o fogão, eh

Água de beber, água de benzer, água de banharAlkahool só para desinfetar

Água de beber, água de benzer, água de banhar

Alkahool só para desinfetar

Em busca de uma nova identidade

Na fila dos aposentados

Um radical chic espera sua vez jogando xadrez

Em vez de uma nova trombadaUma marcha ré com dignidade

É melhor do que ficar com pesadelo, tédio, calça arreada,

Queda de audiência, filme queimado...]

Alkahool - Jorge Ben