quinta-feira, 13 de março de 2008

Transfiguração



É uma vontade de gritar, rasgar o céu como um raio e me libertar desse algo preso na garganta. Esse algo que me sufoca e me faz rolar na cama e me faz perder o sono. Noites em claro, na penumbra do meu gélido quarto e a frieza do meu coração infeliz. A névoa embaça a visão da rua, deserta, e se iguala ao meu coração – embaçado. Não posso gritar, todos dormem. Seria injustiça, ninguém tem culpa de nada, ninguém sabe sequer que eu existo. Passo quase que despercebido pela minha incapacidade de me fazer viver. É, nem sei se vivo. Não sei o que é a vida. Antes e depois dela, o que se tem? Não sei, não sei onde procurar essa resposta. Seria, talvez, me tirar a vida e ver? Não! E se não puder voltar atrás? Melhor não. Não saberia ficar num lugar preso, insatisfeito, sem a possibilidade de refazer o feito.


Um sussurro está entalado, faz meu pescoço engrossar num tamanho desproporcional ao da minha existência. Sinto-me como um incapaz, pobre coitado que não sabe o que fazer da sua vida. Querendo gritar e não conseguindo. Querendo se libertar e continuando preso a uma pedra negra, pesada.


Não consigo parar-me quieto. Vejo cobras, aranhas, urubus e tenho medo. Estou minúsculo diante de tantos monstros, diante da sombra deles refletidas na parede da minha alma. Não sei a quem recorrer, nem sei como fazer. Meu Deus! onde você se esconde quando mais preciso de você? Cadê a sua paternal presença? Por que fazes isso comigo, rélis mortal, vagabundo na sua falta de coragem, pequeno na sua capacidade de amar e gigante na sua fraqueza? Espectros arrastam diante de mim, esquelético. Sinto-me um deles. Por que? Quantas vezes tenho que gritar, por que? por que? por que? Não posso mais. É grande demais pra mim. É muito.


Ofegante e com o coração aos pulos, vejo um cais.... longe. Em meio ao inquietante medo sinto uma ponta de leveza. Meu suor começa a divagar e a penumbra do meu quarto parece diminuir. Minha pequenez na imensidão da cama vai se desfazendo. Já não estou mais prensado na parede. Sinto-me vagamente livre. Não sei ao certo de que, possivelmente, me libertei. Não lancei meu grito de socorro. Apenas senti, sofri. O buraco negro ainda existe, porém com menos negrume. Ao som da brisa começo a me descruzar e relaxar e esticar-me sobre minha cama. O que parecia estar se tornando meu leito de morte transformou-se em uma espreguiçadeira confortável, que me recosta e me acolhe, de uma maneira – assustadoramente – aconchegante.


A sensação é de liberdade plena. É como se eu tivesse me atirado do mais alto monte e estivesse caindo, sem pára-quedas, livre, sentindo o vento me cortando a alma. Não sei o que houve. Nem quero saber. Já não me importa mais. Prendo-me a sensação atual e não mais ao medo e a angústia de antes. Quero descobrir sem forçar, sem impugnar, descobrir por descobrir, se for me dado esse direito.

2 comentários:

Valdir Souza disse...

Muito legal seu texto, enquanto lia, fiz um paralelo sobre uma noite mal durmida, ou sequer dormida. Tipo, como se as angústias começassem no inicio da noite, e só terminassem ao rair de um novo dia. Texto massa!
Falou rapaz!

Bruce De Battisti disse...

Tem hora que dá vontade de gritar, esperniar, se matar por não sabermos da certeza da vida, as incoerências nos cercam e nos fazem prisioneiros da incosntância... A vida nos prega peças... O melhor a fazer é se libertar das amarras...
Como dizem "Os condenados", já não importa o que vão dizem, nem me interessa eu não vou ligar... Para o diabo os conselhos de vocês!